sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Post surpresa

Nunca tinha escrito nada "sério" na minha vida, até essa história/conto/crônica/sei-lá-do-que-chamar. Em (nem tão) breve haverá de ser quadrinizado.

Barbaridade

Bárbara de Almeida. Sete anos. Canceriana. Assistia a aulas de balé. Queria ser veterinária. Chorou por uma semana quando os pais se divorciaram.

Me preparei por dois meses. Não foi fácil.

Seqüestro seguido de assassinato, dois suspeitos. Um deles, cela especial, réu primário. Enforcou-se com cadarços de sapato faltando uma semana para ser liberado por bom comportamento.

A imprensa diz que foi por culpa.

Eu digo que foi por justiça.

O segundo escondeu-se em uma casa próxima ao cais do porto. Não foi fácil encontrar. Não foi fácil conseguir tempo e lugar para treinar pontaria, nunca havia ao menos tocado em uma arma antes, tive de me envolver com pessoas detestáveis. Traficantes. Criminosos. Gente que merecia morrer.

Me sinto tão egoísta.

Finalmente é chegado o dia. Não me reconheço no espelho. Eu nunca fui tão musculoso. Eu mantinha o rosto impecavelmente liso, como os rigores do trabalho exigem. Eu costumava usar ternos.

O sangue me ferve nas veias. Seis balas brilham em meu tambor. Sinto a hora se aproximar. Temo falhar ao olhar nos olhos do maldito. Temo que ele seja mais rápido. Temo que ele não se lembre dela.

Temo que ele não tema.

Quando dou por mim estou invadindo o pequeno e pútrido quarto de fundos, acima de mim carros cortam a madrugada à toda velocidade por um viaduto. Ele levanta assustado do sofá, esticando a mão parar pegar algo na mesa.

Bárbara de Almeida.

Não permito que ele continue. Era um telefone celular e não uma arma, como eu imaginara. De qualquer maneira, ele não poderá utilizá-lo com a mão nesse estado.

Sete anos.

Agora não há mãos para pedir reforço, não há escapatória. Ele começa a correr.

Canceriana.

Dentre todos os homens que conheci, nenhum era capaz de correr ferido na panturrilha. Esse nunca mais vai correr.

Assistia a aulas de balé.

E tinha uma leveza e graça que tão poucas vezes pude ver. Vejo a patela do infeliz exposta pelo ferimento no joelho e pela primeira vez ouço seus lamentos enquanto pondero sobre quanta haveria justiça no que estou fazendo.

Queria ser veterinária.

Não. Isso não é uma questão de justiça. A justiça falhou em puni-lo. Eu não falharei. Já falhei muito com ela. Ele não teve piedade, portanto não merece a minha. O tiro no estômago vai fazê-lo sofrer antes de morrer. Como ela. Como eu.

Isso não a trará de volta. Só sentimos falta do que perdemos. Egoísta, egoísta, egoísta... Como pude fazê-la sofrer? Não era o que eu queria.

Todos que a fizeram sofrer tem de pagar.


Chorou por uma semana quando seus pais se divorciaram.

Todos.

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